Carta ao senhor da Calle Suipacha
- Larissa Souza
- 12 de mai. de 2021
- 3 min de leitura
Resposta ao conto “Carta a uma senhorita em Paris” de Júlio Cortazar
Escrevo-lhe agora, atrasada sim, mas porque procrastinei uma resposta à altura. Quis inventar bonitas palavras pra dizer que vai ficar tudo bem, que isso vai passar. Quis mentir, não nego, mas a real é que também vomito coelhinhos vez ou outra. E também te escrevo de dia porque é quando eles dormem, ou pelo menos quando estou cheia de ruídos mentais que me impedem de ouvi-los. E sei que escrever agora, seja agora ou até mesmo quando tomei coragem para ler sua carta será tarde demais. Mas eu gostaria muito que soubesse que eu sei que sentimento é esse pois vez ou outra também vomito coelhinhos e eu sinto muito em não ter te contado antes. Sinto mesmo, porque sei que a gente nunca fala sobre eles pra não preocupar os que estão ao nosso redor, e eu demorei muito pra entender que escondê-los no armário só fazia aumentar o número de coelhos que surgem. E o pior é que é difícil esconder aquilo que tá praticamente intrínseco a nossa existência, porque não são só palavras. É muito mais difícil mentir sobre quem você é. Bom, como disse anteriormente, agora eles dormem, porque o dia é a noite deles, e eu me ocupo preenchendo minha mente de ruídos para que eles não despertem e que outros percebam. Mas uma vez por semana os apresentou para a Dr. Aline, como fazia para a Molina, não é mesmo? E olha, toda vez é super dolorido, pois eles ficam agressivos, mas sinto que cada vez que os apresento pra ela, um deles decide partir e eu vomito cada vez menos coelhinhos. Eu sei! o 10° parecia o último, mas veio o 11° e “dizer 11 é certamente dizer 12” mas eu juro que os anteriores, eles vão embora. Não vou negar, os coelhinhos não acabam! Sempre aparece um motivo, uma situação, alguém que te faça vomitar um novo coelhinho, mas eu juro que os anteriores acabam partindo, a Dr. Aline me ajudou a me livrar de alguns deles. E bom, os que não foram eu aprendi a cuidar deles. Eu sei também como é a sensação de interromper essa carta para lidar com os compromissos, é uma habilidade que nós, pessoas com coelhinhos entalados na garganta, temos. É incrivelmente fácil interromper a crise, fingir que nada está acontecendo e voltar a lidar com a vida real. O problema é que às vezes os coelhinhos se acumulam. E juro, é péssimo quando vem dois, três de uma vez! Eu sei que já é tarde pra você ler essa carta, mas eu quero dizer que sei exatamente qual é essa sensação. Também já limpei a casa, ajustei os possíveis problemas que tinha deixado por onde passei, também fiz o que pude para evitar um grande desgosto, mas Sara apareceu mais cedo e descobriu o que planejava. Fui obrigada a encontrar a Dr. Aline mais cedo naquele dia, e ela me disse algo que eu gostaria de ter dito a você antes. Eu sei que há um vazio insuperável, eu já senti esse vazio antes, e ainda sinto, não tem porque mentir pra você! Mas a vida é abundante, nas coisas boas e ruins, a gente só precisa realocar as coisas pra preencher esse vazio! Não vou te censurar, não há motivo pra isso. Como gostaria que me contasse mais, e que eu tivesse te dito isso antes. Mas queride, não há como fugir dos coelhinhos. Eles não acabam, a gente só aprende a lidar com eles de forma mais racional. A dor ainda é a mesma, e os trevos às vezes não são suficientes, mas acredite é possível seguir assim, eu tenho seguido, mesmo que gaste muita energia para me manter aqui junto deles, mas tenho seguido.
De sua querida Andrée








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